quarta-feira, 16 de maio de 2012

Que o céu não lhe caia sobre a cabeça

Hollande já tomou posse — é o novo presidente da França. Em outras palavras, chegou a hora de sair do discurso, do palanque (como se diz aqui) e assumir o leme do barco. É a hora da verdade, de sair da retórica e passar à ação, de concretizar as promessas de campanha, o que quase sempre não é fácil. O primeiro dia de Hollande foi choco como um schoppe (chope) aguado. Pode ter sido pela chuva, que manteve o seu eleitorado em casa e longe da festa, mas pode ter sido também pelo choque da verdade — a sorte estava lançada.

Diferentemente do que ocorreu aqui, com FHC, Lula ou Dilma (para citar os mais recentes), o povo francês sabe bem que Père Noël não existe. Não apenas o francês, mas o europeu, o que também inclui os gregos, ou deveria. E foi a situação da Grécia que anuviou a festa de Hollande. Afinal, já nem se discute mais se a Grécia vai ou não para o vinagre (outra expressão bem nossa), se fica ou não no Euro, isto é, se fica ou não na União Europeia; a questão agora é quando ela vai.

Já falei sobre este assunto antes e minha opinião não mudou. Atônito, vejo na imprensa daqui artigos românticos sobre o mau momento — faltou apenas passar a "sacolinha" para ajudar a Grécia saldar seus papagaios — com raríssimas exceções de lucidez, como Celso Ming (Estadão, de onde retirei estas tabelas) e Carlos Alberto Sardenberg (CBN). E não foi só aqui não: Paul Krugman (NYTimes) também desfiou seu rosário de lágrimas, algo inapropriado para um nobel de economia, mas que cai bem para a campanha de Obama — só não explica como ficará a Europa depois da aplicação do seu receituário. Eu arrisco um palpite: nada bem, mas já errei antes.

Aqui no Brasil não foi diferente. Por anos e anos tentamos de tudo. Tomamos garrafadas, passes e descarregos. Nada funcionou. Somente quando resolvemos tomar vergonha — quando a ficha finalmente caiu depois da tungada do Plano Collor — é que a coisa funcionou. O Real nasceu e venceu, mesmo assim com mais perdas e mais sacrifício. Tudo isso foi muito bem contado e documentado no livro "Saga Brasileira", da jornalista Miriam Leitão, cuja leitura recomendo. Entretanto, é interessante notar que a jornalista não se pôs vis-à-vis com seus colegas citados acima, como é de hábito, e foi até mesmo contrária a algumas posições ditas em seu livro e nas suas colunas diárias, escritas e faladas. Opinião é assim mesmo.

Hollande quer crescer, ao que eu responderia: "e quem não quer?", tivesse oportunidade. O que eu já afirmei foi que ele ainda não disse como se dará o milagre. Citemos o Brasil como exemplo: péssima infraestrutura, deficit habitacional, deficit educacional, corrupção endêmica, carga tributária elevada, etc. Uma rápida olhada e logo se vê que há muito o que fazer. Não obstante, Lula não conseguiu criar os tais 10 milhões de empregos em 4 anos, mesmo havendo tanta coisa a se fazer. Nos outros 4, quando prometeu criar mais dez além daqueles que ficou devendo do primeiro mandato, também falhou. Acabou seus oito anos de governo com 6 milhões de postos criados ao invés dos 20 prometidos, ou 30% da promessa. E notem, não fizemos quase nada do que precisava ser feito — ainda há muito por fazer...

E na Europa? Salvo alguns países menos aquinhoados, tudo já foi feito! Por onde quer que se olhe, os países europeus se mostram prontos e acabados. Então, onde é que Hollande vai criar os tais postos de trabalho que precisa, o tal crescimento que julga indispensável? Não há tanto assim o que fazer por lá — tudo se mostra pronto e acabado (e muito bem feito) — então, eles só podem crescer "para fora" — exportando — exatamente o que a Alemanha que ele critica está fazendo. Se a Alemanha, com austeridade e muita exportação, foi o único país do bloco que conseguiu crescer (+0,5%, o que salvou a cara do bloco europeu do fiasco), não vejo como vão mudar a receita. Aliás, ao contrário do que foi noticiado pela mídia daqui e de boa parte do mundo, a recente derrota política de Merkel não foi pela política de austeridade, mas por estar ajudando — continua e estoicamente — países que se recusam a ser austeros, exempli gratia a Grécia. Em outras palavras, quem economizou não quer suas economias ajudando a quem desperdiçou. Pode parecer cruel, mas é sempre assim: uns trabalham e outros esperam que lhes passem a mão na cabeça.

Hollande tomou posse e logo seguiu de avião para a Alemanha onde Merkel o aguardava "de braços abertos". Logo após a decolagem, um raio atingiu o avião e o obrigou a retornar à terra por razões de segurança. Seria um (mau) presságio? Na dúvida, o novo Vercingetórix  — como bom gaulês — trocou de avião e foi para os braços da teutã que o esperava, porque gauleses só temem mesmo "que os céus lhes caiam sobre as cabeças." Os céus ou talvez uns gregos. Ui!

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