domingo, 29 de janeiro de 2012

O "Império do Centro" visto de dentro

A China tem sido mostrada como o maior fenômeno econômico deste século. Existem até mesmo algumas pessoas de renome — com as quais eu não concordo em absoluto — que chegam a dizer que "a China salvou o Capitalismo". Nada mais falso e longe da realidade.

Talvez queiram criticar o Capitalismo como sendo a origem dos nossos males — e ele o é em grande parte —, mas não por ser Capitalismo mas por ele ser meritocrático. É difícil para a maioria das pessoas entender o que "meritocrático" quer dizer, muitos nunca ouviram a palavra antes, mas é bem a essência daquilo que separa Capitalismo de Socialismo, e de como este último jamais poderá prover aquilo que tanto condena no outro.

Eu os convido a assistir este vídeo da SBS Television — Australia, uma joia enviada por um dileto amigo que muito tem colaborado com este blog. Trata-se de um curto documentário de 14 minutos que mostra o fenômeno chinês visto in loco. Considero uma das matérias mais reveladoras que tive a oportunidade de ver.

A tradução e legendas foram feitas por mim e desde já peço desculpas por alguma falha. Não usei nenhum equipamento além do meu laptop e um software gratuito para produzir o vídeo legendado. Infelizmente, alguns efeitos especiais que gostaria de usar estão além dos recursos que disponho. Procurarei melhorar nos próximos. O maior tempo foi gasto na versão para o Português e sincronização — o Inglês australiano é bastante peculiar — precisei educar os ouvidos. Espero que gostem das "Cidades-Fantasmas da China".


E aí? Gostaram? Espero que sim. Agora, os pitacos.

É preciso entender a mecânica por trás da construção das cidades-fantasmas. Por mais estranho que pareça ser, há lógica na loucura. George Orwell, em seu livro "1984", dava a receita para contornar o efeito colateral do crescimento, isto é, o enriquecimento. No seu livro, a "guerra contínua" foi a forma encontrada para manter os povos ocupados, economicamente remediados quando muito, e absolutamente comprometidos com a causa socialista. Quem leu "1984" sabe que Orwell pinta um mundo em que não há futuro, só o amor ao Grande Irmão. Aquele casal de Pequim, que trabalha num salão de beleza e mora naquele cortiço horroroso, é para mim, mutatis mutandi, Winston e Julia de Orwell.

O que o governo chinês precisa fazer é "sumir" com o imenso superavit comercial que a China tem hoje com o mundo. O seu gigantesco PIB, que a põe como a 2ª maior economia do mundo, chega a ser ridículo quando em valores per capita. Dividido por mais de 1 bilhão de chineses, o PIB chinês per capita é 2,5 vezes menor que o nosso e algo como 9 vezes menor que o dos EUA, Europa e Japão, como salientei neste artigo aqui. O PIB per capita (ou PPP — Purchasing Power Parity) é a real medida da economia que gira, do mercado. O que se vê na China é a imobilização do capital na forma de construções gigantescas — "pirâmides para as quais não há demanda", consolidação de um "PIB sem melhoria para a população" —, como salientou Gillem Tulloch, o analista de Hong Kong.

Dar à população acesso ao produto do seu trabalho — acesso à riqueza — é fazer com que o Partido Comunista Chinês renegue todos os seus princípios. É abandonar o socialismo que divide e redistribui a miséria e partir para o capitalismo que premia a produção e a eficiência. Ora, já sabemos que não há dinheiro para todos e que o capitalismo é meritocrático — os que fazem mais, recebem mais; os que fazem menos, recebem menos. Na China, quem faz mais é o Estado, então é o governo chinês que fica com a maior parte ou quase tudo, isto com uma população de 400 milhões de excluídos, hoje. Lembram-se da grande preocupação do sociólogo Prof. Jou Ziao Xeng? A "polarização", ou melhor, a divisão em antípodas — chineses "com" e chineses "sem" — levaria a China ao caos. Como explicar a um cidadão, educado na doutrina socialista, que enquanto ele mora num misto de cortiço-pocilga, cujo aluguel custa metade do seu salário, seu compatriota anda numa Ferrari e mora num resort. Simplesmente não se explica nem se justifica.

Em rápida conversa com um diplomata brasileiro, fiquei sabendo que o governo chinês já iniciou uma intervenção para coibir a crescente especulação no mercado imobiliário e mesmo iniciar um programa de auxílio à aquisição da casa própria para pessoas de baixa renda. É o velho assistencialismo estatal — um tique socialista — que não sei se será possível ou exequível num país de 1,3 bilhão de pessoas. Mesmo assim, e apesar de senões, a China tem melhorado; não graças ao comunismo/socialismo maoista, mas ao pragmatismo de Deng Ziaoping que quis fazer da China algo melhor que uma gigantesca Coreia do Norte. Sob Mao — que fez justiça ao nome — 85% da população chinesa estava na pobreza absoluta. Então, não foi a China que salvou o capitalismo, como disse o Herr Dieter Zetsche, Chairman da Daimler AG e principal executivo da Mercedes-Benz, Não, bem ao contrário, foi o Capitalismo que salvou a China — ou a está salvando —, apesar de um ou outro rompante socialista.

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