Não tem mais onde furar
Celso Ming
O presidente do Uruguai, José Mujica, já vinha denunciando que o Mercosul virou um chiclete. Depois das decisões tomadas na última reunião de cúpula, já não se sabe o que passou a ser.
Reunidos em Mendoza, Argentina, no dia 28, os chefes de Estado de Argentina, Brasil e Uruguai primeiramente suspenderam o quarto sócio, o Paraguai, sob o argumento de que a destituição do então presidente paraguaio, Fernando Lugo, tinha sido “esquisita”. Embora não fossem capazes de caracterizá-la como golpe de estado, como queriam, entenderam que ao presidente Lugo não fora concedida oportunidade de defesa – recurso exigido em processos jurídicos, mas não propriamente em movimentos políticos.
Em seguida, a troica assim constituída pela suspensão unilateral do Paraguai – a quem também não foi concedida oportunidade de defesa – optou pela incorporação da Venezuela ao bloco, embora não tenha cumprido previamente nenhuma das exigências previstas pelos tratados. Entendeu ela que a suspensão removeu também o veto do Senado do Paraguai à admissão da Venezuela.
Diante do ocorrido, parece claro que os golpistas – se golpe houve – não foram nem o Congresso nem a Corte Suprema do Paraguai, que convalidaram o impeachment, mas, sim, os dirigentes do Mercosul, que passaram a rasteira no Paraguai, com características de absurdo jurídico.
Dias depois, o próprio chanceler do Uruguai, Luis Almagro, que já havia sido contrariado no episódio pelo próprio presidente José Mujica, veio a público para afirmar que a manobra colocada em prática por 75% da cúpula do Mercosul não tinha validade jurídica.
Dados os desrespeitos aos acordos, o Mercosul já era o que o sambista Adoniran Barbosa chamou de “tauba de tiro ao álvaro”, porque “não tem mais onde furar”. O Mercosul não consegue ser nem sequer uma área rudimentar de livre comércio. O intercâmbio de mercadorias está bloqueado por travas de todas as categorias. Nessas condições, deixou de ser instrumento de integração econômica e social para ser um pastiche político que toma o formato dos interesses da hora.
A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, bem que tentou empurrar o fechamento de um acordo do bloco com a China. O governo da Argentina não parece interessado em transformar o Mercosul numa plataforma de compras de produtos industrializados chineses. Mas, contra o interesse dos outros sócios, acha que poderia ter acesso ao baú de dólares da China, caso intermediasse manobras comerciais desse tipo.
A presidente Dilma acaba de assumir a presidência rotativa do Mercosul. Dada sua densidade na participação no bloco, o governo brasileiro bem que poderia liderar um movimento de recondução do Mercosul a seus objetivos originais. O primeiro passo seria aceitar seu rebaixamento da condição que jamais conseguiu ser, para o de uma incipiente área de livre comércio, dotada de um cronograma crível de desenvolvimento, para avançar em vez de continuar se desmantelando.
O problema é que o governo Dilma também não leva o Mercosul a sério. Não o considera mais do que instrumento para o exercício de práticas de boa vizinhança.
Começando pelo final, também não levo o Mercosul à sério. Já demonstrei isso claramente aqui e ainda não encontrei motivos para mudar minha opinião. Não há como manter uma relação de iguais entre desiguais e não há parceiros mais desiguais que aqueles do Mercosul.
O Brasil deveria estar negociando com os Estados Unidos da América, ou melhor, com o NAFTA, uma adesão ao grupo ou a sua ampliação para agregar países e mercados com um mínimo de similaridades sejam em termos de PIB ou de mercado.
Por razões puramente ideológicas, das mais infelizes do governo Lula, deixamos de assinar a proposta da ALCA — Área de Livre Comércio das Américas —, simplesmente porque ela partiu dos EUA. Ao invés disso, resolveu-se embarcar no discurso maluquete de Chávez. Como ele não conseguiu vender sua ALBA — Aliança Bolivariana das Américas, seja lá o que ele entenda por bolivarismo —, como alternativa para a ALCA proposta, passou a advogar sua entrada ad nutum no Mercosul. O termo latino se aplica assim: a Venezuela não cumpre nenhum dos pressupostos políticos para participar do grupelho então sua entrada só poderia ser por força de um ato discricionário. E assim se fez...
Os detratores do impeachment paraguaio, jornalistas e articulistas em sua maioria, agora defendem a quartelada venezuelana (mais uma) como fato puramente pragmático, porque a Venezuela tem a oferecer petróleo e um mercado muito maior que o paraguaio. Pode ser. Entretanto, é bom salientar que tínhamos um superavit comercial com o Paraguai de mais de US$ 2 bilhões. Pode não ser muito, mas era um superavit. A Venezuela, por sua vez, continuará a fornecer petróleo aos EUA, seu cliente preferencial de sempre apesar dos muxoxos bolivarianos do seu ditador, digo, presidente.
O petróleo venezuelano — é bom que se diga — não nos será muito útil ao menos no curto prazo. Trata-se de petróleo pesado que nossas refinarias não têm capacidade de processar. Assim, o mais provável é que compremos derivados ao invés de óleo bruto. Ponto para o Chávez. O Paraguai, por sua vez, deverá procurar alternativas como as citadas aqui, aqui e aqui, enquanto tudo indica que ficaremos pendurados no pincel e sem saber para onde foi a escada, porque o PT insiste em governar para o partido e não para o País.
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