sexta-feira, 3 de junho de 2016

Criticar é preciso, bajular não é preciso…

Estou para escrever essas linhas há dias e não encontro as palavras. Ou melhor: sei o que preciso escrever, mas debato comigo sobre as formas, o nexo. Eu sou meu mais ácido crítico.
Ainda assim, hoje arrumei um "gancho", uma frase comumente atribuída a Fernando Pessoa mas que este tomou de empréstimo de Pompeu — ao menos segundo Plutarco — e que chegou à grande maioria dos brasileiros que não leem pelo refrão da música "Os Argonautas" de Caetano Veloso: "Navegar é preciso / Viver não é preciso…" Foi parodiando a frase, poema ou refrão que fiz o título. E agora, o assunto:
Li há alguns dias uma nota de um diálogo entre uma fã (nome encoberto) e o filósofo Olavo de Carvalho, pessoa que admiro e respeito, retirada de um post na sua timeline do Facebook, que reproduzo abaixo com grifos meus.
  • Para pensar. Pergunta e resposta:
    • Yhpíyvn Fvzõrf : A distância geográfica de Brasília do restante do país colabora para a inexistência dessa identidade?
    • Olavo de Carvalho : Sem dúvida. JK destruiu a síntese simbólica da nacionalidade, plantada por Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, e a substituiu por uma mera unidade legal-burocrática condensada à força na arquitetura do Niemeyer. O Rio deixou de ser o coração do Brasil, e Brasília é apenas um cérebro eletrônico enfeitadinho.
  • É mais fácil gostar de Brasília do que compreender o óbvio: o Rio de Janeiro era REALMENTE uma síntese histórica do Brasil quando o governo Getúlio Vargas decidiu institucionalizá-lo como tal. Eram quatro séculos de história, de esperanças e de sofrimentos que se condensavam nas ruas, nas praças, nos monumentos, na arte popular, na literatura. Esperar que Brasília cumpra o mesmo papel é, realmente, não entender nada. A cidade tem meio século e ainda não produziu sequer um estilo próprio de música popular, nem produzirá nunca.
  • Getúlio Vargas tinha realmente o senso histórico: tirou apenas as conclusões da realidade em vez de tentar inventá-la por decreto e criá-la com dinheiro público, como JK.
  • Brasília foi construída PARA FACILITAR A INSTAURAÇÃO DE UM GOVERNO BUROCRÁTICO-SOCIALISTA, e cumpriu perfeitamente o seu papel.
 
Meu pitaco:
Que eu bem sei que Olavo não gosta de JK é até desnecessário dizer, mas achei por bem deixar as coisas bem claras e transparentes. Entretanto, atribuir a criação de Brasília "PARA FACILITAR A INSTAURAÇÃO DE UM GOVERNO BUROCRÁTICO-SOCIALISTA" é um devaneio, uma alucinação digna de um fumante de haxixe. Olavo é fumante inveterado e impenitente, mas acredito que seu gosto seja apenas pelo tabaco.
Continuando, essa coisa de "culpar Brasília" pelas mazelas do Brasil já passou dos limites faz tempo. É um reducionismo absurdo, uma bengala torta que muitos brandem por aí quando não têm argumentos convincentes, raciocínio concreto, indícios ou provas do que afirmam. Exibem números disso e daquilo para desculpar as roubalheiras gargantuescas de hoje, sendo que o único crescimento expressivo do país, fora de um regime de exceção, foi justamente nos cinco anos do governo JK.
Poucos se lembram de que a maioria das estradas hoje existentes no país foram feitas por JK. Antes só existiam caminhos ligando Rio a São Paulo. A indústria moderna também veio com ele. Até JK usávamos os mesmos carros que hoje só podem ser vistos em Cuba; caminhões também. Eu ainda lanço a pergunta: "Teríamos o celeiro do Centro-Oeste, o portentoso agro-negócio brasileiro, se ficássemos no samba de uma nota só da Cidade Maravilhosa?" Mas tem muito mais. Enquanto Getúlio Vargas conseguiu a CSN - Cia. Siderúrgica Nacional, sucata da US Steel que Roosevelt nos enviou à custa da cessão do uso da Base de Parnamirim aos americanos e do envio de soldados mal treinados e mal equipados para a guerra na Itália, JK implantou a USIMINAS, a COSIPA, a Belgo-Mineira e a Mannesmann, isto para ficar apenas com aciarias… Energia para as indústrias? JK foi responsável direto por Furnas, Três Marias e Paulo Afonso. Alguém devia se lembrar dessas coisas antes de atirar cusparadas.
JK foi o ÚNICO presidente da nossa história republicana que assumiu com um PLANO DE GOVERNO constante de trinta (30!!) metas. Cumpriu a todas durante seu mandato de cinco anos e ainda mais uma — Brasília — a qual chamou de meta-síntese. No entanto ele é "lembrado" pelo endividamento e até por "ter criado" a inflação. Balela! Falácia! Ele tirou o brasileiro mesmerizado pela beleza das praias e do mar e o fez enxergar a grandeza e a riqueza do país que estava as suas costas.
Todo investimento tem seu custo e estes custos são geralmente cobertos por empréstimos . Não é diferente de uma empresa. Nesta, você vai ao gerente do banco com seu plano de negócio e o convence de que pode executá-lo, que ele produzirá riqueza bastante e suficiente para cobrir o empréstimo e os juros. Num governo, o ESTADISTA leva suas metas ao FMI, ao Banco Mundial etc e os apresenta aos gerentes dessas instituições multinacionais. Daí em frente é tal e qual.
Não há nada errado em se endividar se for para obter algo maior e melhor — e mais importante —, os meios para sua quitação. É o que chamam trade-off : o fardo, a contra-partida a oferecer para se obter um salto qualitativo, um avanço quantitativo, o ônus pelo bônus. Sempre omitem este último para avivar o primeiro. Cabotinice.
E como se não bastasse, Olavo afirma, sem a menor possibilidade de comprovação, que se a capital continuasse no Rio tudo aqui seria melhor. Como? Será que o filósofo acha mesmo que aquela é uma terra ungida por Deus? O que suportaria tal afirmação? Pois eu duvido e afirmo que isto não passa de mero exercício de retórica, se tanto, para não dizer que é puro achismo. Basta olhar a fina flor da aristocracia política do Rio para se ver do que escapamos: Pezão (2 mandatos), Serginho Cabral (2 mandatos), Rosinha Garotinho, Anthony Garotinho, Marcello Alencar, Brizola, Moreira Franco e Brizola de novo, foram os eleitos governadores pós-64 (vices omitidos). E os senadores? Temos um lindinho, um baixinho e um bispinho. Que dureza…
Somados todos eles, governadores e senadores, não dariam um macaco Tião em qualidade. E pior: nada pode garantir que também não também seria assim com o governo federal lotado às margens da baía. Não é a cidade que faz o povo, mas é o povo que faz a cidade. Até Carlos Lacerda concordaria hoje que com JK a solução foi melhor.
Eu não quero polemizar com Olavo, mas acho injusto que uma pessoa da sua envergadura moral e intelectual use e abuse de elucubrações, de exercícios hipotéticos e retóricos apenas para diminuir uma obra concreta. Não se pode atribuir a este ou aquele, mas a todos, a nossa situação atual. O que nos cabe, gostemos ou não das construções e desconstruções do passado, é assumir o país e dar-lhe uma direção. Chega de mimimi.
P. S. — Minha admiração e respeito por Olavo e sua obra continuam inalterados.
  

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