Num último grande gesto para salvar as aparências, reuniram-se os chanceleres da Unasul presentes para — capitaneados pelo nosso Patriota — ir ao Paraguai em socorro a Lugo. Foi como disse: barata voa!
Quase que imediatamente, inúmeras declarações contra o processo de impeachment foram repercutidas pela mídia local, talvez o maior conjunto de estultices que já tive oportunidade de presenciar. Por exemplo, a frase do professor Mario Sacchi, em entrevista ao Estadão, "explicando" (?) que o acordo de respeito à democracia no Paraguai fora quebrado. Sei...
O professor Sacchi usou frases como "Um dos problemas mais graves [com o impeachment] é a relação com o Mercosul porque existe um acordo de respeito à democracia que está sendo quebrado", uma visão muito particular dele, acredito.
Eu digo "particular" porque nós — e me refiro ao nosso governo aqui — temos o mau hábito de achar que somos a quintessência da pureza democrática, quando não passamos de um arremedo de democracia, uma farsa se preferir. Nossas instituições são frágeis, até porque são fruto da ignorância de nosso povo; nossos governantes, populistas despóticos; nosso processo político, uma mentira. E apesar de tudo isso, nos julgamos no direito de ensinar aos outros o que e como fazer. Repito, refiro-me aos governos, aos quais um pouco de humildade e reconhecimento de sua própria pequenez não faria mal algum.
Seguindo a linha do professor Sacchi, o Brasil já interferiu desastradamente nos assuntos de Honduras onde Manuel Zelaya, o Saddam Hussein da América Central, em eterno papel de vilão mexicano, também fora destituído do cargo a mando da Suprema Corte daquele país, justamente por a haver desrespeitado; a mesma que jurara respeitar e defender. Coerente com o chavismo daqueles dias, acoitamos o mariachi borracho em nossa embaixada onde ele pode desfrutar dos nossos impostos por meses. Bestial!
Mas não me lembro de nenhuma frase de Sacchi naquela época como "Foi um golpe de estado aproveitando a Constituição que o país tem. O artigo 225 prevê o julgamento político do presidente por mau desempenho de suas funções". Qual é a autoridade da qual este professor se acha investido para taxar de "golpe" um artigo da Constituição paraguaia? É muita presunção e muito desrespeito, para não dizer muita ignorância.
Ora, nos regimes parlamentaristas um governo pode ser destituído por ato discricionário do Chefe de Estado. Não é golpe, é prerrogativa do modelo político. No presidencialismo, a destituição de um governo é feita pelo seu impedimento, impeachment em inglês. Assim foi no Paraguai (como foi em Honduras), sendo que o professor citou até o artigo da Constituição que determinava a razão do seu julgamento político. Não há — como na declaração de chanceleres da Unasul — "ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática", apenas e tão somente o cumprimento da Lei.
Mas teve mais. Também disseram que não se estava respeitando a vontade do povo paraguaio. Mentira! Se Lugo foi eleito pelo povo, também o foram seus representantes no Parlamento, ou será que estes foram eleitos pelos marcianos? Se lá como cá o que se tem é uma democracia representativa, foram os representantes do povo, portanto, o próprio povo, que destituiu Lugo do poder. Tudo o mais é conversa.
Uma das poucas vozes de clarividência na mídia foi a de Marcos Guterman, também do Estadão, de onde obtive esta curta nota (grifos meus):
Realismo fantástico: Paraguai inventa o “golpe dentro da lei”
A presidente Dilma Rousseff sugeriu que o Paraguai fizesse um acordo político para que o presidente esquerdista Fernando Lugo ficasse no poder até o final de seu mandato. Fico aqui imaginando o que Dilma e os petistas diriam se algum governante estrangeiro, digamos o americano, sugerisse um “acordo político” para manter o direitista Fernando Collor na Presidência.
De qualquer maneira, Lugo não é mais presidente do Paraguai, destituído estritamente segundo as leis do país. No entanto, tem gente dizendo [Sacchi] que foi “golpe” apesar de ter “amparo legal”.
Então é isso: a América Latina, pródiga em realismo fantástico, acaba de inventar o “golpe que respeita a lei”.
Obviamente sarcástico, Guterman lembra a Dilma da inconveniência de se apontar o dedo a alguém, como fiz em relação a Marina Silva. Mas tem mais: precisamos ficar atentos à atitude que nosso governo possa tomar em relação ao bispo-tarado. Será que Dilma oferecerá os confortos da nossa embaixada local como Lula fez com Zelaya ou oferecerá uma paróquia-sinecura a ele aqui mesmo? Eu já nem sei bem o que pensar, porque as possibilidades do lulo-petismo parecem ser infinitas...
Mas o que nosso governo deveria fazer e dizer, o governo espanhol já fez:
Madri, 23 - O governo da Espanha defendeu neste sábado o pleno respeito à institucionalidade democrática e ao estado de direito, e manifestou a confiança de que o Paraguai conseguirá resolver a atual crise política, assim como garantir a segurança de seus cidadãos após o impeachment do presidente do país, Fernando Lugo.
"A Espanha defende o pleno respeito à institucionalidade democrática e ao Estado de direito, e confia que o Paraguai, em respeito à sua Constituição e aos compromissos internacionais, conseguirá pôr fim à atual crise política, assim como garantir a convivência pacífica do povo paraguaio."
O que a nota oficial acima diz — e o que Dilma deveria ter dito — pode ser resumido assim: "O problema é de vocês e confiamos que vocês o resolverão a contento para todos." Qualquer coisa além disso é passível de um "¿Por qué no te callas?"
¿Por qué no te callas, Dilma?
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Todos os comentários são bem-vindos — inclusive anônimos —, sejam para criticar, corrigir, aplaudir etc. Peço apenas que sejam polidos, pertinentes à postagem e que não contenham agressões ou ofensas.