sábado, 18 de março de 2017

Minhas impressões sobre a eleição presidencial na França


Confesso que me encontro afastado dos assuntos europeus. Minha última opinião, salvo falha de memória, foi em relação ao Brexit. Mas hoje, uma manchete do jornal Valor — equivocada a meu ver — assinalava uma aproximação do candidato Macron em relação à Marine Le Pen, a candidata que tira o sono da elite globalista europeia.

Resolvi escovar meu claudicante Francês e passei os olhos pelo Le Monde, Le Figaro e por algumas publicações alternativas. Do primeiro uma interessante lista alfabética (pelo sobrenome) dos onze candidatos, duas mulheres e nove homens que disputam o trono francês.

N. B.: as classificações de viés político são minhas, e não aquelas eventualmente declaradas pelos candidatos. (grifos meus)

  1. Nathalie Arthaud (Lutte ouvrière — Luta aberta)
    • Viés: extrema-esquerda, socialista
    • Programa: assistencialismo trabalhista, luta contra a tirania do capital e exploração patronal.
    • Pitaco: Está na sua 12ª candidatura e dela nunca ouvi falar! A insignificância subiu-lhe à cabeça.
  1. François Asselineau (Union populaire républicaine - União popular republicana)
    • Viés: centro-direita, conservador
    • Programa: Retirada da França da União Europeia — Frexit, alinhamento com os Estados Unidos da América.
    • Pitaco: funcionário público de carreira, ex-inspetor de finanças e ex-funcionário de vários gabinetes ministeriais, graduado pelo HEC e ENA, parece-me um natural apoiador da candidatura Le Pen.
  1. Jacques Cheminade (Solidarité et progrès — Solidariedade e progresso)
    • Viés: direita, conservador
    • Programa: Retirada da França da União Europeia — Frexit e da OTAN, alinhamento com os Estados Unidos da América.
    • Pitaco: auto-denominado "anti-sistema", é um candidato que poderia ser classificado como histriônico. Sem qualquer chance real, acredito que sequer seu apoio seja bem-vindo em qualquer candidatura principal. Já votos num segundo turno, ninguém dispensa. Suas posições me lembraram o Enéas.
  1. Nicolas Dupont-Aignan (Debout la France — Levanta-te França)
    • Viés: centro, populista
    • Programa: Colocar-se como alternativa entre o radicalismo de Le Pen e o socialismo de Fillon.
    • Pitaco: político de carreira, graduado pela ENA, parece-me um demagogo profissional com tinturas nacionalistas. Pode se aliar a qualquer um, mas não defende o Frexit .
  1. François Fillon (Les Républicains — Os Republicanos)
    • Viés: centro-esquerda, socialista
    • Programa: assistencialismo moderado a reformista, prega o fim da jornada de 35 horas semanais, aposentadoria aos 65 anos, redução de 500 mil funcionários públicos e ISF (imposto sobre fortunas), revisão do código do trabalho e ainda a reforma da assistência de saúde. Pró-UE. Programa ambicioso e de concreção duvidosa, que mistura pragmatismo e assistencialismo. Político profissional, já ocupou todos os cargos da República exceto a Presidência. Seu programa é de ruptura com o do seu próprio partido, o que sugere demagogia. Se não for finalista fechará com Macron.
  1. Benoît Hamon (Parti socialiste — Partido socialista)
    • Viés: extrema-esquerda, socialista
    • Programa: Não tem um programa específico além das propostas de radicalizar as medidas que fracassaram o governo que finda.
    • Pitaco: vencedor-surpresa das primárias do partido. Ativista estudantil e anti-racista, herda o imenso fracasso do governo Hollande, mas defende a expansão de suas metas e meios. Como rotulei François Hollande de demagogo antes de sua eleição, acredito que Benoît seria um demagogo em esteroides. Vai transformar o socialismo francês num PSOL.
  1. Jean Lassalle (Résistons — Resistimos)
    • Viés: esquerda, socialista e ecológica
    • Programa: Não tem um programa específico mas se declara "defensor dos territórios rurais e de uma ecologia humanista", o que quer que seja isto. É prefeito de uma minúscula cidade (160 habitantes) nos Pirineus e é mais conhecido por ter feito uma greve de fome por 39 dias contra a transferência de uma usina para 65 km. além.
    • Pitaco: candidato difícil de analisar: nunca fez nada, não propõe nada, não é nada… Parece ser uma Marina Silva da França só que sem votos. Dona Marina também não os teria se militasse na França. Pode apoiar a qualquer um com seus 160 votos.
  1. Marine Le Pen (Front national — Frente nacional)
    • Viés: direita, conservadora
    • Programa: Atualmente à frente na preferência dos eleitores, ela defende a retirada da França da União Europeia — Frexit, restabelecer o Franco como moeda nacional, redução da carga tributária e da influência e ingerência do Estado na economia, nas relações entre capital e trabalho e na assistência social, muito similar às propostas de Trump para os EUA.
    • Pitaco: ao contrário do que alardeiam nossos pundits, acredito que Le Pen será vitoriosa onde seu pai Jean-Marie fracassou várias vezes. Alia pragmatismo e nacionalismo com moderação. É a única dentre os candidatos a denunciar o imenso malefício que a imigração desordenada trouxe ao seu país, especialmente imigrantes islâmicos. O recrudescimento do terrorismo em solo francês — 2 homens, pai e filho, degolados; 1 homem esfaqueado por 3 jovens islâmicos; 1 terrorista morto em Orly ao atacar um policial — eventos acontecidos ontem e hoje, contribuem para o crescimento de sua campanha.
  1. Emmanuel Macron (En marche ! — Pra frente!)
    • Viés: centro-esquerda demagógica
    • Programa: "Nem direita, nem esquerda", o principal oponente de Le Pen acena com o apontamento correto de problemas reais, contemplando educação, desemprego, aposentadoria e segurança, porém apresentando soluções através de intervencionismo estatal.
    • Pitaco: a França já tem seu Kassab, vulgo o Cafta! Macron, entretanto, tem uma boa estratégia eleitoral já que o programa de Le Pen encerra uma ruptura com o modelo estatizante e paternalista de sempre e ele pretende resolver os problemas franceses usando o mesmo veneno que os criou. E eu pensei que Hollande era um demagogo profissional. É o queridinho da Globo.
  1. Jean-Luc Mélenchon (La France insoumise — A França rebelde)
    • Viés: extrema-esquerda, eco-desvairada
    • Programa: Prega a necessidade de uma nova constituição para a França, o banimento da energia nuclear, adoção de uma CPMF (sem o "P"), manutenção da União Europeia com revisão de vários tratados, fixação de um salário máximo (genial!), direito ao emprego ("O Estado dará emprego a todos desempregados") e por aí vai.
    • Pitaco: de longe é o mais histriônico de todos, difícil até de classificar, um verdadeiro "samba du crèole fou" ou coisa assim. Entretanto seu programa tem acertos. A meu ver, a União Europeia precisaria apenas de ajustes processuais, alterações de tratados e até mesmo o abandono do Euro como moeda única, e não um simples chute no pau da barraca como foi o Brexit e também serão o Frexit, Nexit etc… Muito se investiu neste projeto para ser jogado fora assim.
  1. Philippe Poutou (Nouveau parti anticapitaliste — Novo partido anticapitalista)
    • Viés: extrema-esquerda, sindicalista
    • Programa: Não tem um declarado, mas dizem que ele é muito simpático, o que o faz uma espécie de Lula francês..
    • Pitaco: suas ambições não vão muito além daquelas que ele defende na fábrica da Ford onde diz trabalhar. Já militou no partido Lutte ouvrière de Mme. Arthaud, mas preferiu algo mais à esquerda, ainda que tenha evitado termos como "comunista" ou "socialista radical" em favor de um anódino "anticapitalista". Como Lula, não passa de um pelego.

E assim, após horas extenuantes de pesquisa, tradução e reflexão, chego ao final dessa breve análise das candidaturas à presidência da França. O futuro dirá se eu li corretamente os perfis de cada candidato no Le Monde, ou se este pasquim fez uma cobertura isenta. Quem viver, verá. Au 'voir!


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