Cada vez mais eu me surpreendo com a forma límpida de ver o óbvio de Stephen Kanitz. É que nós nos acostumamos com o economês de Míriam Leitão e que tais, que nos esquecemos do óbvio ululante bem debaixo do nosso nariz. Economistas e jornalistas de economia têm o dom de complicar o que é simples, talvez para justificarem seus imerecidos altos salários.
Kanitz não é economista como muitos pensam. É bacharel em Contabilidade pela USP com MBA pela Harvard Business School. Também é ácido crítico de economistas, no geral, e de economistas brasileiros em particular. Cada vez concordo mais com ele, mas ainda guardo um ou dois senões.
No seu artigo de hoje — e que repasso a vocês —, encontrei uma excelente explicação para a reforma econômica em curso nos Estados Unidos da América, umas das promessas de campanha do Presidente Trump, e motivo para a imprensa esquerdista de lá (e até a daqui!) lhe descer o malho. Vamos ao texto, grifos meus:
Globalização ou Comunitarismo?
Um dos meus artigos que vive caindo nos vestibulares de redação, por parecer de esquerda, é o “Você Está Despedido”, de 2001.
Vale a pena ler, e ele se refere a uma aula que tive onde o professor de administração, Prof. Athos, expulsou da sala um aluno que queria economizar 5% demitindo pessoal.
Para sempre.
“Agora você sabe o que é ser demitido.”
45 anos depois, eu me lembro perfeitamente dessa aula, uma lição de moral.
Nos meados dos anos 1980, a escola de Economia de Chicago começou a atacar essa linha de Administração Socialmente Responsável, que fora capitaneada por Harvard e Stanford.
“Esses administradores não estão maximizando lucro”, bradavam Milton Friedman e seus colegas liberais.
“A responsabilidade social da empresa é maximizar lucros”, a frase mais calhorda já emitida por um intelectual de direita.
E foi a partir dessa constatação que eles começaram a minar o movimento de Administração Socialmente Responsável, com sucesso.
De fato não estávamos maximizando lucro a curto prazo a cada trimestre como queriam os teóricos de Chicago.
Não estávamos demitindo e transferindo fábricas inteiras para a China para ter 5% mais de lucro a curto prazo.
Sabíamos que salários baixos não iriam prevalecer para sempre na China, portanto seria uma economia de curto prazo.
Foi aí que a Escola de Economia de Chicago surgiu com as ideias de “stock options”, bônus milionários para executivos que maximizam lucros para os acionistas, lucros trimestrais, etc. E dane-se o social.
É isso basicamente que Milton Friedman está dizendo com todas as letras.
Foi a partir daí que as empresas americanas começaram a despedir seus funcionários, vizinhos das fábricas, e contratar chineses a 20.000 km de distância.
Trump está indo justamente contra a Escola de Chicago e por isso é odiado por 99 entre 100 economistas liberais.
Trump também estudou esse famoso caso espanhol no seu MBA, e também viu um aluno ser demitido.
E deve ter aprendido a mesma lição.
“ Será que não podemos obter a mesma economia de 5% de uma outra forma, sem despedir toda a nossa força de trabalho e contratar mexicanos e chineses, como querem esses economistas?”
“Será que vale a pena maximizar lucro até esse ponto, destruindo nossa comunidade, nossa motivação e o espírito de equipe da nossa empresa?”
Meu Pitaco
Acho que o Kanitz carregou nas tintas, mas o quadro ficou bom no final. Dito assim, não acho Friedman "calhorda", nem seus colegas da Escola de Chicago. Antes de Friedman, lá era cátedra de Friedrich von Hayek — discípulo de von Mises, à época professor-visitante da NYU-New York University — e assim uma escola sob influência da Escola Austríaca de Economia, talvez a única alternativa conhecida ao atraso do keynesianismo. A Escola Austríaca (via Chicago) foi a grande inspiradora do "reaganomics" e do "thatcherism" que revolucionou a economia mundial nos anos 80.
Mas de volta ao tema, o pensamento de resultados no curto-prazo de Chicago está completamente E-R-R-A-D-O, como já demonstrado pelo case narrado por Kanitz, mas não há nada errado em se maximizar lucros. O detalhe — aquilo que não foi explicado — é que ao transferir suas manufaturas para outro país (China, México etc.), os administradores levaram parte considerável do ciclo econômico-financeiro dos seus produtos para muito longe do seu mercado e, consequentemente, muito além da possibilidade de sua recondução ao ciclo produtivo local. No curto-prazo, até um excelente negócio; no longo-prazo, um tiro no pé.
Quem estudou Economia, Administração, Contabilidade e que tais, certamente teve uma ou mais aulas sobre os ciclos econômicos e financeiros da produção. A imagem abaixo é um exemplo clássico:
Num pano rápido, temos acima duas entidades econômicas ( Famílias e Empresas) e dois mercados (Bens/Serviços e Fatores/Insumos de Produção). Empresas são basicamente constituídas de máquinas, instalações e capital financeiro. No entanto, elas necessitam de mão de obra que é o insumo básico fornecido pelas famílias em troco de dinheiro: o salário. Assim posto, a empresa estará apta a produzir bens e serviços e os ofertar ao mercado. E para quem? Para as famílias, que são, em última análise, a parte que demanda os bens e serviços produzidos e ofertados em troca de dinheiro, aqui chamado de preço. O ciclo das necessidades se completa; o ciclo de pagamentos também. Em tese, estão todos satisfeitos com o arranjo.
Mas eis que surge um espertalhão. Ele olha além fronteira e vê mexicanos e chineses trabalhando por bem menos que um trabalhador local. Ele pensa que pode economizar uma bela grana usando aquela mão de obra e assim o faz. Demite o trabalhador local, fecha suas fábricas e vai pro México (ou para China) ganhar muito dinheiro. No curto prazo ele opera com um ganho astronômico de produtividade (gasta pouco para produzir e até pode produzir muito mais), mas no longo prazo seu modelo se esgota e a esperteza vira bicho e quer comer o esperto.
Onde o erro? Ora, no mercado! Ao demitir sua mão de obra e substituí-la por outra além fronteiras, a empresa empobreceu o mercado comprador de seus produtos. O trabalhador chinês ou mexicano não é — nem será num futuro previsível — consumidor para seus produtos, até porque não ganham o suficiente para isso. O ciclo financeiro, que deveria realimentar a economia, foi transferido para outro país e dificilmente retornará para de onde saiu.
Esta é a razão de grandes centros industriais como Detroit, Baltimore e Cleveland nos EUA estarem hoje em petição de miséria. Para quem conheceu essas cidades nos anos 70, 80 e 90, jamais imaginaria que chegariam onde chegaram. Mas isto começa a mudar, ou melhor, sinaliza que quer mudar…
Esta é uma das razões, no meu modesto entender, do Trump ter sido eleito. Ele foi o único que percebeu que a América já não era aquele grande mercado produtor e consumidor que o mundo aprendeu a admirar e mesmo a invejar. Quando mandaram o dinheiro para fora — e ele não voltou — este paraíso produtivo começou a ruir. Quando lá estive em 1999, os sinais já eram claros e preocupantes. Os locais de mais idade já se perguntavam "Onde isso vai dar?" com evidente preocupação e descrédito.
O pior de todo esse modelo "produtivista" é a crença cega em que se pode ganhar indefinidamente. Não dá! Nunca vai acontecer! Todo buraco encontra seu fundo, toda montanha um dia desaba: é a entropia, a única verdade insofismável. Num meu artigo escrito há cinco anos, salientei, inclusive, a forma cretina como o governo chinês imobilizou este capital financeiro amealhado por seu país, de modo a impedir, peremptoriamente, seu retorno aos países de origem (link abaixo). Fez ainda pior: impediu que parte desta riqueza acabasse nas mãos da mão de obra de lá. Se o trabalhador chinês enriquecesse, poderia vir a consumir os tais bens e serviços. Os ciclos econômicos-financeiros se estenderiam mas ainda fechariam o ciclo nalgum momento ou lugar. Isto foi cortado como descrito no meu artigo e no seu vídeo.
Então, não há essa coisa de fair trade com a China — eles não são nem nunca foram uma economia de mercado e isto precisa mudar. Por fim, tudo indica que apareceu alguém para enfrentá-los, ou melhor, desmascará-los. O gráfico acima demonstra que o mercado já comprou a Proposta Trump e nem mesmo a CNN consegue mais negar o óbvio, assim como o jornal Valor do grupo Globo. Já a TV Globo e a GloboNews, bem… aí já é ideologia e não jornalismo.
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