sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Existem três tipos de mentiras...

Diz um dito popular e universal que são três as modalidades de mentiras: mentiras, mentiras cabeludas e estatísticas (lies, damned lies, and statistics). Eu concordo!

Não faz tanto tempo assim, vendo um gráfico apresentado num programa da GloboNews pela jornalista Míriam Leitão, a frase sobre mentiras me veio à cabeça imediatamente.Não, eu não estou dizendo que a Míriam estava mentindo, longe disso, mas o gráfico apresentado dava margem para outra interpretação além da exposta. Vou mostrar um pequeno trecho do programa "Espaço Aberto Míriam Leitão - 15 + 15", cuja íntegra pode ser vista aqui. No excerto, mantive um comentário do André Lara Resende a título de preâmbulo e paro logo após o comentário do José Pastore sobre o gráfico. Se você não viu, vale a pena ver todo o programa, senão, assista ao trecho abaixo.


Ricardo Paes Barros, o autor do gráfico apresentado, é pesquisador do IPEA e tabula dados sobre a pobreza no Brasil desde longa data. Dados estatísticos, via de regra, são apenas números — nada é tão impessoal —, cabe a nós tentar entender o que há por trás deles.

Notem no vídeo como o André ressalta, repetidas vezes, que o combate das causas da inflação e do descontrole fiscal foi o que permitiu o crescimento do País e a consequente redução da pobreza. Notem, no gráfico, que até 1992 a pobreza cresce. A primeira redução drástica dá-se em 1993, pós Plano Real e no governo Itamar, continuando a cair até o primeiro ano do governo FHC, quando o índice se estabiliza até o ano de 2003, primeiro ano do governo Lula. A partir de 2004 e até 2009 (anos Lula) o índice decresce acentuadamente. A linha de "pobreza extrema", quase uma reta, mostra um declínio também a partir de 2004. À primeira vista, é Lula quem consegue reduzir a pobreza com seus programas de distribuição de renda (e.g. Fome Zero e Bolsa Família). Na minha imodesta opinião, uma meia-verdade ou meia-mentira, como queiram.

O Plano Real, obra dos governos Itamar/FHC, foi quem permitiu a Lula obter aqueles ganhos. Na verdade, os ganhos tornaram-se visíveis em seu governo, mas são frutos dos governos anteriores. Oportunisticamente, Lula se apropriou do sucesso alheio e ainda contou com o beneplácito dos partidos de oposição ao seu governo — PSDB e DEM — que não só não o desmentiram como se calaram. O sociólogo José Pastore mostra que foi a oferta de emprego, mais que os programas assistencialistas-populistas — Fome Zero e Bolsa Família —, este último uma corruptela do programa Bolsa Escola de FHC, a responsável pela queda da pobreza. Derrota da inflação, privatizações e responsabilidade fiscal (para citar os mais importantes) foram as molas-mestras para a formação dessa onda. Lula, como bom surfista, pegou-a na hora certa e ficou bem na foto. Para a onda, em nada contribuiu. Aliás, tenho dúvidas que ele saiba como ondas são formadas.

Fato não mencionado no trecho do programa acima é a razão da queda da pobreza no governo Lula, esta ainda mais acentuada que aquela do Plano Real. Fosse ela fruto de um "programa de governo", a curva de pobreza absoluta também sofreria um declínio, o que não ocorreu. Minha melhor explicação para o fato foi o aumento da oferta de crédito — fenômeno chamado de "Nova Classe Média" — nada mais que o endividamento das classes C, D e E. O nível do endividamento social atual é da ordem de 65% e já se noticia o aumento da inadimplência. A bolha da nova classe média começa a estourar. Resumindo, o que o gráfico mostrou foi o aumento da riqueza lastreado no endividamento financeiro, isto é, o IBGE mediu a posse, não a propriedade dos bens; mediu uma falsa riqueza. Mais para o final do governo Lula, o Bolsa Família mostrou outros resultados além do da compra de votos — a pobreza absoluta declina com vigor. Palmas. Entretanto, se aquela população não buscar e/ou obtiver emprego, logo voltará aos patamares anteriores ou mesmo a um pior.

Fica aqui a lição: números e gráficos, irrefutáveis como todo fato, devem ser tomados no seu contexto; no papel ou informação aos quais destinam. Sós e desacompanhados, sem uma explicação da sua finalidade, induzem o (e)leitor a erro, turvam-lhe a visão e desvirtuam seu julgamento. Ainda bem que tanto o André quanto o Pastore corrigiram Míriam — não havia quase nada de Lula naquele gráfico, quanto muito um terço.

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