quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Precisamos do trem, não da bala

Há 457, nosso midiático presidente lançava o edital para a abertura de licitação do trem-bala. Naquele ufanismo de palanque tão característico, Lula disse "Até as Olimpíadas, acho plenamente possível inaugurar a obra até 2016". A antevisão do messias não só não se confirmou como, até hoje, não obteve sequer um único interessado; ao menos nos termos propostos da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).

Nesse ínterim, governos (a batata quente foi passada para as competentes mãos da Mãe do PAC) e ANTT já modificaram exigências "pétreas" do projeto. Por exemplo, o custo máximo inicial estabelecido de R$  33,1 bilhões e comprometimento máximo de 60% (R$  19,9 bilhões) de recursos públicos (i.e. nosso dinheiro) já está sendo repensado para algo na casa de R$  50  bilhões e 100% de recursos públicos. Opa! Afaste de mim essa mão grande.

Felizmente para nós, e após 4 (quatro) licitações sem qualquer interessado (por que só Lula-Dilma veem a necessidade de tal geringonça?), a 9ª Vara Federal da Justiça Federal, em Brasília, determinou a suspensão imediata de todos os procedimentos administrativos feitos para viabilizar a licitação do trem de alta velocidade (TAV), projeto que pretende interligar as cidades do Rio de Janeiro e Campinas. Espero que tenha sido a pá de cal nessa estultice.

Sou contra porque existem outras urgências a serem atendidas, muito mais imediatas e necessárias, como reinstalar o sistema ferroviário do País. Só a título de exemplificação e sem qualquer ordem de prioridade, eu cito:
  • Não há um único aeroporto no Brasil que tenha ligação de trens (metrô ou suburbano) entre seus terminais e às cidades que serve, nem mesmo São Paulo. Gasta-se mais tempo nas rodovias de acesso que em viagens de longo curso. Se chover então...
  • São Paulo — uma das maiores cidades do mundo em população e área — está na sua 5ª linha de metrô. Paris, uma cidade bem menor, tem 14 linhas além de uma rede de trens suburbanos (RER) e de ônibus de dar inveja. Comparar uma com a outra é covardia.
  • Belo Horizonte (para citar um caso próximo) — passados uns 40 anos — tem hoje um arremedo de metrô, na verdade o antigo suburbano com estações e vagões melhorados. O serviço de trens suburbanos, ao qual substituiu, atendia a uma região bem maior e parte da linha é compartilhada com trens de carga. Mesmo a rede de bondes, que existiu até os anos 60, atendia a quase toda a cidade e mesmo à recém-criada Pampulha. As queixas àquele sistema eram devidas à má qualidade do serviço de fornecimento de energia elétrica, não ao serviço em si.
  • Rio, São Paulo, Belo Horizonte — para me limitar às maiores capitais — já foram interligadas por ferrovias. Inexplicavelmente, o serviço foi descontinuado. Assim, ao invés de se fazer melhoramentos na malha ferroviária, duplicação e eletrificação de linhas, desativa-se o sistema. Aqui mesmo, perto de minha casa, passava uma linha de trens. Por esta linha, Belo Horizonte e o Sudeste estavam ligados à Bahia e ao Nordeste por um ramal e à Brasília e ao Centro-Oeste por outro. Hoje, é apenas para cargas e os trens circulam apenas com o maquinista. Pasmem, é o próprio maquinista que para a composição e troca as chaves de linha.
  • Paro por aqui, mas é bom que se reflita sobre o fato de que tínhamos mais ferrovias no tempo do Império que agora. Hoje, temos apenas mais balas... infelizmente.
Um salto para uma tecnologia como a dos trens de alta velocidade não se fará por decreto, messianismo ou volúpia de presidentes autodenominados "progressistas". Veículos assim não se prestam para qualquer terreno. Digo, sem muito embasamento técnico mas calcado unicamente no bom senso, que tal empreitada é financeiramente inexequível para o trecho a que se propõe. Rio e São Paulo estão separados por uma cota vertical de quase 800 metros num terreno entremeado de maciços graníticos, cursos d'água, matas nativas, etc. A linha do trem-bala — que já é chamado trem-bala-perdida — necessitará 90,9 km quilômetros de túneis e 103 km de pontes e viadutos. Eu desconheço que exista alguma linha de TAV com tais características no mundo.

Eu já tive oportunidade de viajar em trens rápidos, no caso o TGV francês. Numa viagem entre Paris-Amsterdam, notei a estupenda velocidade do trem no trecho entre Paris e Bruxelas, algo em torno de 1 hora! Entretanto, a partir de Antuérpia (ainda na Bélgica) a composição passa a progredir em velocidade de uma tartaruga manca, possivelmente devido à sinuosidade da linha e às muitas pontes, apesar do terreno absolutamente plano. A velocidade volta a aumentar um pouco na Holanda mas nada como os mais de 300 km/h pelos campos do norte da França.

Assim, mais do que poder comprar o brinquedo, o Brasil precisa escolher bem onde ele vai funcionar. É bem possível que — como nos Estados Unidos — não estejamos talhados para esses trens. Acredito ser bem mais plausível e útil, linhas convencionais mais modernas, duplicadas onde for possível e necessário, preferivelmente eletrificadas, e que revertam em benefício da população e do País.

Eu sei que Lula vem de uma infância pobre e sofrida — nunca lhe neguei a origem nem o mérito da sua maior conquista — mas acho que ele já tem idade para não querer brincar de trenzinhos. Se, mimado como é, achar que ainda deve, que não o faça às nossas custas. Temos um País para manter e o dinheiro não está aí para brincadeiras.

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