terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Falta pouco para a queima de livros em praça pública

Eu confesso que não sei bem onde começou essa insanidade, só sei pelo que é conhecida. Estou falando do que se convencionou chamar "politicamente correto". O termo per si mostra-se um conundrum, um enigma. Porque política é descrita como a "habilidade no relacionar-se com os outros tendo em vista a obtenção de resultados desejados" em sentido figurado, ou ainda, por extensão, com "cerimônia, cortesia, urbanidade". Já o verbete "correto" é a qualidade do "isento de falha, erro ou defeito". Na minha visão, uma coisa antepõe à outra — onde uma admite o contraditório, a outra o exclui ad nutum.

Uma "política correta" não pode existir pelo simples fato de que a política não é absoluta, mas transitória. O que se presta para o momento atual pode não ter servido no passado, assim como poderá não servir — é quase certo — para o futuro. Nada é mais mutante que a política.

Mesmo assim, um grupo de pseudo-pensadores tem se esmerado em produzir uma tamanha quantidade de boçalidades, um sem-número de regras de conduta, que vão desde a forma como um grupo étnico deve ser cognominado a como devem ser referenciadas pessoas de determinada preferência sexual, alimentar, ecológica, etc. Foi assim que Monteiro Lobato se viu acusado, post mortem, de ser "politicamente incorreto", pela forma desrespeitosa pela qual se referiu à Tia Nastácia, uma criação literária sua. Bestial! O pior do imbróglio Lobato/Nastácia não foi ter nascido no MEC, mas a constatação de que a crítica "politicamente correta" feita a sua obra [Lobato] é prática comum no meio acadêmico.

A toga lhe subiu à cabeça...
Esta manhã, ouço pelo rádio que o Ministério Público Federal de Uberlândia/MG, na pessoa do procurador Cléber Eustáquio Neves, iniciou ação pública contra a Editora Objetiva e o Instituto Antônio Houaiss para a imediata retirada de circulação, suspensão de tiragem, venda e distribuição das edições do Dicionário Houaiss, que contêm expressões pejorativas e preconceituosas relativas aos ciganos. Como bem disse uma vez Albert Einstein, "duas grandezas são infinitas: o universo e a ignorância humana; e eu não estou muito certo quanto ao universo." Pois é, pode-se dizer que temos um ensino "universal" em nossas escolas, no mínimo...

Voltemos ao MPF. Um dicionário não é uma obra de ficção, não é romance nem opinião, não é literatura. É o compêndio dos verbetes de uma língua e do seu significado. No dicionário Houaiss não está aquilo que Antônio Houaiss ou sua Editora pensam sobre os diversos significados dados à palavra "cigano" ou a qualquer outra, mas apenas o relato do uso popular e histórico do verbete. Atribuir a eles tal ação só pode ser fruto de mau discernimento. Ao iniciar tal ação pública, o ilustre procurador mostra desconhecer o que é um dicionário — talvez por força de um viés reducionista marxista, ao qual foi injustamente exposto nos bancos escolares —, mas que põe em dúvida seu conhecimento das leis.

Outro dia li a frase: "...o marxismo é o ópio do mentalmente preguiçoso. O marxismo é fácil de ler, de entender, dá ao marxista a sensação de que ele é uma pessoa muito boa e preocupada com o social. Não há a necessidade de argumentações lógicas e consistentes. Basta apelar para lugares comuns, falar a respeito de oprimidos e opressores, e acusar o adversário de ser um opressor ("extrema-direita!"), mesmo que nada disso faça nenhum sentido e haja muito pouco raciocínio lógico envolvido."

Ora, basta consultar um dicionário (opa!) para ver que reducionismo é a mais pura expressão da preguiça. Bingo! Daí que eu não vou me espantar quando começarem a queimar livros em praça pública. A cantilena dos pseudo-pensadores é doce a ouvidos néscios, fácil de entender e aplicar — não exige prática nem tão pouco habilidade —, e nos passa a (falsa) sensação do dever cumprido. Afinal, o que é um Lobato ou um Houaiss quando esse pessoal tem por herói Macunaíma, aquele sem nenhum caráter, e a força do Ministério Público Federal.

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