sábado, 11 de fevereiro de 2012

Grécia: A antevisão do tiro no pé

Certas coisas são tão óbvias que nem deveriam ser consideradas. Um exemplo disso é a Grécia considerar sair da zona do Euro. Ora, essa hipótese deveria ter considerada bem lá atrás, quando a Grécia decidia se deveria entrar ou não na zona do Euro, na União Europeia. Na minha opinião, a decisão — certa ou errada — foi tomada e não cabe revisão, ainda mais agora.

É como como num casamento. No início, via de regra, um casamento é só prazer. Passado algum tempo, vêm os filhos, responsabilidades com a sua educação, compra da casa própria, manutenção do emprego ou busca por outro mais conveniente, gestão da casa, administrar conflitos com vizinhos, etc. Não fosse o bastante, ainda fazem parte do dia-a-dia decisões como dedicar-se à casa e à família ou perseguir uma carreira profissional, apenas uma entre muitas. Resumindo, cedo ou tarde as obrigações do casamento baterão à porta, ache você importuno ou não. Alguém precisa avisar "dona Grécia" sua parcela de responsabilidade no seu casamento com a União Europeia e o Euro.

Porque o que se mostra pela mídia é que a Grécia — e ela não está sozinha aqui — parece ter ficado muito feliz com o dote que recebeu por ocasião das núpcias, deitou, rolou e se esbaldou no clube dos ricos e não se preocupou nem com a conta nem com a taxa de manutenção. Agora, à vista do tamanho da conta a pagar, isto é, suas responsabilidades para com o clube, ela quer se dizer "equivocada" e que o melhor seria "voltar para a draga da Dracma, de onde nunca deveria ter saído." Sim, você pode se arrepender; pode até dar o calote na conta; mas prepare-se para mancar por um bom tempo se é que voltará a andar pelos próprios pés um dia.

Celso Ming mostra o cenário em sua última coluna (trechos abaixo, grifos meus):

Dilema atroz

Celso Ming

No final de outubro, o então primeiro-ministro da Grécia, George Papandreou, avisava, em tom de advertência, que seu país nunca esteve, como naquela ocasião, tão perto de abandonar o euro. Como, de lá para cá, pouco mudou, conclui-se que a Grécia do atual primeiro-ministro Lucas Papademos continua próxima de abandonar a moeda única.

O governo grego parece sempre estar dizendo que o prejuízo maior de eventual saída do euro ficaria para os demais sócios, não para seu povo. O pressuposto seria o de que a troca de moedas provocaria brutal contaminação e o derretimento do próprio euro.

Depois que o Banco Central Europeu começou a despejar volumes ilimitados de recursos nos bancos do euro, o naufrágio à Titanic do bloco parece bem mais improvável – embora os problemas estejam longe de ser sanados.

[...]

Para o governo da Grécia, a primeira vantagem da volta à dracma seria poder emiti-la cada vez que tivesse de cobrir um rombo. Outra vantagem seria a de derrubar as despesas públicas. A operação de saída do euro viria acompanhada de alentado calote da dívida. Sem ter de pagar nem os juros nem o principal, o déficit ficaria mais administrável. Em terceiro lugar, uma dracma megadesvalorizada baratearia em moeda forte seus produtos de exportação e seus serviços de turismo. E, assim, com mais receitas em moeda estrangeira, a Grécia poderia recuperar o ritmo de sua atividade econômica.

Mas essa seria só a parte boa da maçã. O calote fecharia o crédito externo por anos. A Grécia teria de viver da mão para a boca, com o que arrecadasse. O precedente da Argentina, sempre lembrado, teria pouca aplicação. A Grécia não é grande produtora de commodities, não tem significativas receitas em moeda estrangeira, tampouco uma indústria competitiva.

Uma forte desvalorização da dracma em relação ao euro, por si só, teria forte potencial inflacionário. Como os gregos são dependentes de suprimento de alimentos e de energia (combustíveis) do resto do mundo, especialmente da Europa, o preço dos importados dispararia.

O calote e a troca de barco seriam operações de graves consequências. Os maiores credores da Grécia são os bancos gregos. É provável que muitos deles viessem a quebrar. Além disso, a população grega tem depósitos e aplicações financeiras em euros nos bancos locais. A troca de moeda exigiria a conversão desses ativos para dracmas. [...]

Enquanto o dilema for morrer de morte morrida ou de morte matada, fica compreensível que o grego prefira fingir: fingir que aceita a dureza do plano; fingir que vai cumprir o acordo; fingir que não aguenta mais; e fingir que dará o abraço do afogado e que não será a única vítima.

Como eu comecei com a analogia do casamento, fico aqui pensando se a animação em stop-motion "A Noiva Cadáver (Corpse Bride)", de Tim Burton, não ilustraria bem o imbróglio em que se meteram os gregos. Quem assistiu ao filme sabe que o cerne da trama é o desejo de duas famílias "se arrumarem" pelo casamento dos filhos. Uma quer a projeção social que a outra (ainda) tem; a outra, o dinheiro da primeira. Os filhos nubentes (as populações dos países envolvidos) não foram levados muito em conta nesse arranjo, embora fossem sinceros no propósito matrimonial. Com a entrada em cena da noiva cadáver (a crise), a Grécia fica sem saber se assume seu real papel ou se muda para o de Lord Barkis Bittern — o vilão oportunista que leva a pior no final.

No meu maior atrevimento, sugiro aos gregos refletir sobre o que fizeram: no fundo, no fundo mesmo, a culpa é exclusivamente deles. Afinal, os signatários do Tratado foram eleitos, democraticamente, pela maioria da população; eram os seus legítimos representantes. Não adianta protestar agora pela burrice feita, assim como não se chora sobre o leite derramado. Só há um caminho possível: assumir o amargo ônus e sonhar com o retorno dos bônus. Dar um tiro no pé agora não resolverá o problema, causará muita dor e certamente arruinará com o pé irremediavelmente.

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