Já faz algum tempo que queria escrever sobre a Lei da Ficha-Limpa, mas algo me pedia cautela. Não sou dado a superstições, mas tinha muito urubu voando sobre Brasília, ultimamente. Recolhi meu afã e esperei pacientemente pelo pronunciamento final do Supremo. A espera foi longa: quase dois anos e mais de uma dezena de sessões de julgamento; muita gente pensou que morreria lá. Felizmente, deu o contrário.
O que mais me marcou nesse longo processo — fui um dos signatários do projeto de lei de iniciativa popular e ajudei a colher muitas outras assinaturas, por vários meses — foi o desejo, a demonstração de fé do cidadão, de que era possível dar um basta. Tudo bem, ainda há um longo caminho até se debelar a corrupção, mas esta Lei já é um primeiro passo. Um milhão e meio de assinaturas; aprovada por unanimidade na Câmara Federal e no Senado; sancionada sem vetos pelo Presidente; a Ficha-Limpa foi barrada no Supremo, onde sua constitucionalidade fora questionada. É por existir coisas assim que minha fé na Justiça diminui a cada dia. E assim começou o calvário da Lei e o nosso...
Eu cheguei a estudar Direito, mas percebi que exercer a profissão de advogado não seria tarefa fácil. Nós até temos boas leis, mas a parte processual do nosso sistema jurídico é coisa do Demo; só pode ser. É burocrática, travada, imbecil, cara, inacessível, etc. Tudo aquilo que se aprende sobre Leis morre durante o processo. Ali, o que vale é a chicana, a enganação, a tramoia, o esbulho, a procrastinação. O pior é que o sistema aceita isso! E quando se invoca um juízo, fica lá o senhor togado discutindo a posição das vírgulas; enquanto eu, na minha inocência, imaginava que aquele senhor ou senhora teria o condão de sentir o espírito da Lei. Qual o quê! Não passam de leitores de código e para se ler códigos basta ser alfabetizado.
Alguém precisava dizer isto para certos ministros do Supremo, porque eles estão lá para dirimir dúvidas, para ver a real intenção do legislador por trás do texto legal e expô-la à luz. O que a população — ao menos uma significativa parcela dela — queria, e que o Congresso aprovou e o Presidente sancionou, foi: não queremos que uma pessoa sabidamente nociva tenha o direito de concorrer a um cargo eletivo. Simples assim. Ficar a esgrimir preceitos como a da "presunção da inocência" não passa de uma estultice. É a mesma presunção estúpida que se narra na fábula do sapo e do escorpião que queria atravessar o rio. Você também poderia presumir a inocência de uma raposa e pô-la para tomar conta de suas galinhas, mas não o faz porque é estúpido. Assim é a Ficha-Limpa: queremos manter potenciais causadores de dano à coisa pública longe dela, porque é da natureza desse pessoal daninho roubar, prevaricar, desviar e corromper; dentre outras "qualidades". Lamentei ver alguns senhores de notável saber jurídico praticarem reductio ad absurdum — o raciocínio pelo absurdo — ao interpretar a Lei, ao invés de procurar pelo seu espírito. Lamentável.
Também lamentável o desdém para com o público, o clamor popular, o rumor surdo das ruas. Ora, o que são vocês sem o povo? Defensores da Carta Maior, aquela que diz "todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido", estão aí para ecoar o que a maioria democratica quer sim, até porque uma Constituição que não serve ao povo, também não o representa.
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