domingo, 5 de fevereiro de 2012

Imoral é o direito ao veto

Repercute na mídia do mundo o fato da Rússia e da China terem vetado a resolução da ONU que condenava a dura ação repressiva do governo sírio contra sua própria população. Repasso trecho de matéria publicada no portal G1; grifos meus.

Veto de Rússia e China a resolução contra Síria causa indignação

Outros 13 membros do Conselho de Segurança eram favoráveis.
Para Rússia, resolução era tendenciosa e promoveria 'mudança de regime'.


Países do Ocidente e do mundo árabe responderam com indignação neste domingo o veto de Rússia e China a resolução do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) que exortaria o presidente sírio, Bashar al-Assad, a deixar o poder.

A embaixadora norte-americana na ONU disse que estava "com nojo" da votação, que ocorreu um dia depois de ativistas terem dito que as forças sírias bombardearam a cidade de Homs, matando mais de 200 pessoas na pior noite de conflitos desde o início das revoltas, há 11 meses.

"Qualquer outro derramamento de sangue que ocorrer estará nas mãos deles", afirmou a embaixadora Susan Rice após o veto dos dois países.

Todos os outros 13 membros do Conselho de Segurança bancaram a resolução, que "apoiaria totalmente" um projeto da Liga Árabe segundo o qual Assad cederia o poder a um vice, retirando tropas das cidades e iniciando uma transição para a democracia.

A Rússia afirmou que a resolução era tendenciosa e promoveria "mudança de regime". A Síria é aliada de Moscou no Oriente Médio, abriga uma base naval russa e compra as armas do país.

O Conselho Nacional Sírio, que representa grandes grupos de oposição, afirmou que considera Rússia e China "responsáveis pelos crescentes assassinatos e genocídios; considera isso uma irresponsabilidade que é equivalente a uma licença para matar com impunidade".

O único membro árabe do Conselho de Segurança, o Marrocos, falou em "grande pesar e decepção" com o veto. O embaixador Mohammed Loulichki disse que os árabes não tinham intenção de abandonar o plano.

O enviado sírio à ONU, Bashar Ja'afari, criticou a resolução e seus patrocinadores, incluindo a Arábia Saudita e sete outros países árabes, dizendo que as nações "que impedem mulheres de irem a um jogo de futebol" não tinham direito de pregar democracia à Síria.

Ele também negou que as forças sírias tenham matado centenas de civis em Homs, dizendo que "nenhuma pessoa sensata" lançaria tal ataque uma noite antes de o Conselho de Segurança discutir as ações no país.

[...]

Moradores de Homs criticaram o veto. Um deles, que se identificou como Sufyan, disse: "Agora vamos mostrar a Assad. Estamos indo, Damasco. A partir de hoje vamos mostrar a Assad o que uma gangue armada é". O presidente chamou a oposição de "gangue armada" e "terroristas" guiados pelo exterior.

O enviado da Rússia à ONU, Vitaly Churkin, acusou os partidários da resolução de "propor mudança de regime, empurrar a oposição para o poder e não interromper suas provocações, alimentando a luta armada".

"Alguns influentes membros da comunidade internacional, infelizmente alguns sentados nesta mesa, desde o começo do processo na Síria estão minando a oportunidade de um acordo político", afirmou. Moscou vai enviar seu ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, a Damasco na terça-feira.

Ao não aprovar o palavrório "politicamente correto" e obviamente hipócrita, não quero endossar a atitude do presidente Assad — apenas acredito que aos sírios devem caber a solução dos seus problemas internos —, que o façam às suas expensas e que assumam suas consequências. Não aprovo esse jogo com cartas passadas por baixo da mesa, como recentemente aconteceu na Líbia. Ou se faz assim ou eles — sírios e que tais — jamais saberão o que é uma democracia.

Aliás, é bom que se diga, democracia não é bem transferível por decreto ou verdade insofismável; é simplesmente concretização da vontade da maioria. Entretanto, querer nem sempre é poder — quase sempre há grande preço a pagar por sua adoção. Ora, se a ONU ou qualquer outro país ou organização (e.g. OTAN) interfere no processo, fazendo-o acontecer simplesmente por acharem que tal reivindicação popular seja "a mais justa", influi de maneira danosa, equivocada e vil — ainda que envolta pelas mais nobres e boas intenções. Resumindo, acredito na livre deliberação dos povos, o problema de lá não é da nossa conta; é da conta deles, por mais que acredite que nosso ordenamento é o mais correto e justo.

O norte da África e o Oriente Médio não são regiões conhecidas por serem "democráticas", bem ao contrário, e todas as injunções feitas para "implantar a democracia" naquelas regiões fracassaram. Em seu lugar, o que surgiu foi, via de regra, o fundamentalismo islâmico como forma de governo. Os exemplos que posso citar de memória são o Irã (deposição de Reza Pahlavi e ascensão de Kohmeini), o Iraque (sob a república, al-Karim, deposto por Arif, deposto por Saddam, deposto pelos EUA), a Líbia ("união" de tribos até golpe de Gaddafi em 1969, deposto em 2011 pela OTAN, está sob governo provisório) e o Egito.

O Egito é um caso à parte per si: enquanto os britânicos estavam presentes (até 1954), vigorou a monarquia constitucionalista (Rei Farouk e Rei Fuad, os últimos). Deposto o rei, assume a Presidência da República, o General Naguib, derrubado por Nasser um ano depois. Com Nasser se inicia uma série de ditaduras e o estado de guerra com Israel, por sinal, a única democracia da região. Após sua morte, três anos depois, assume Sadat, que seria assassinado por um fundamentalista em 1981, quando, então, assume Mubarak até sua queda (deposição) em 2011 após os famosos protestos da Praça Tahir. E daí? Daí, nada! O Egito é governado hoje por uma junta militar. Resumindo, os militares mandam lá desde a saída (deposição) do Rei Fuad e seu Parlamento tem pouca ou nenhuma voz ativa.

O que se conclui é que o mais próximo que esses povos chegaram da democracia foi durante o domínio britânico e só. As tentativas de "exportar" nosso way-of-life para eles se mostrou equivocada, com resultados claramente inconvenientes para eles e para nós mesmos, quer sob o patrocínio da Coroa Britânica, da OTAN ou da ONU. Aliás, o modelo de uma organização como a ONU já mostra sinais claros de esgotamento, mais ainda quando seu órgão de maior "poder" — o Conselho de Segurança — é manietado por alguns países que são mais países que os outros pelo exercício do poder de veto. Não gosto, nem aprovo. É preciso algo melhor que a ONU para dirimir diferenças e resolver conflitos.

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