sábado, 10 de setembro de 2011

Antes de arrumar a casa é preciso ter a casa


Ano após ano e a coisa se repete: o Brasil é uma eterna casa desarrumada. É uma bagunça, uma esculhambação. Quase tudo está por fazer. Eu digo “quase” por pura preguiça de pesquisar. Fosse a fundo – sem exageros – eu afirmaria que “tudo” está por fazer, mas deixo o “quase” pelo benefício da dúvida e pela macunaímica preguiça de todos nós.

Passou-se o 7 de setembro, nossa maior data nacional, e a imprensa noticiou protestos contra a corrupção em todas as principais cidades do País, Brasília inclusive. Dizem até que lá a presidente saiu mais cedo para evitar os protestos e, quem sabe, as vaias. Tenho minhas dúvidas que fora este o motivo, afinal, Dilma faz bem o tipo do “bateu-levou”; o mesmo não se pode dizer da sua base-aliada, ministros e que tais. O fato registrado – entretanto – foi que “Dilma bateu em retirada”. Para mim, pegou muito mal, mas não sou eu naquelas saias.

Mas voltemos aos protestos. Protestar contra a corrupção, a roubalheira, a cretinice, o crime, o jogo, a pedofilia, os homófobos, xenófobos, políticos, sem-terra, com-terra e por aí vai, tem a mesma eficácia de protestar contra o mosquito da dengue. É isso mesmo! Você pode não gostar do mosquito, pode até temê-lo, pode gritar contra ele e ameaçá-lo de morte, mas se você não arrumar sua casa, e mais, se o seus vizinhos também não o fizerem, o ædes ægypti aparecerá para chupar seu sangue. E se for só sangue, está de bom tamanho, porque ele também poderá inocular vírus de ao menos duas doenças letais: dengue e febre amarela. Feito o silogismo, o resultado prático é um zero redondinho.

Existem soluções? Claro! Ao menos uma solução existe e, no nosso caso, tem defeito sério de nascença. Chama-se democracia representativa, mas falar de representação no Brasil é o mesmo que contar uma piada de mau gosto. Vamos nos ater aos regimes pós-ditadura que começam com a eleição de Tancredo e a posse de Sarney. Eu sempre achei que houve ali alguma sorte de prestidigitação, mas era tal a vontade popular de eleger e empossar um Presidente que fizeram vistas grossas. Digamos que empossar Sarney não tenha sido muito fiel às regras do jogo, ipsis verbis virgulisquæ.

Parte dos males vêm do nosso ordenamento jurídico: “se não está escrito, então não existe.” Este positivismo exacerbado faz da Lei aquilo que quase sempre é: letra morta. Juízes são meros leitores de códigos; não possuem liberdade nem mesmo para aplicar a pena. Tudo tem que estar escrito, letra a letra, vírgula a vírgula. Não se pode fazer Justiça assim, de forma absoluta, posto que é valor relativo. Da mesma forma que é o dolo que faz do ato violento crime, é a justa pena que lhe dá reparação. Nós sabemos que isto não acontece; nunca acontece.

Não digo que democracia é ruim, mas aqui é. Aqui ela não é nem representativa, nem proporcional. Pelos condões do nosso sistema político esdrúxulo, não somos representados nem por nossos vereadores, teoricamente cidadãos da mesma urbe. Você sabe: vota-se num, elegem-se outros. Se assim é, não há qualquer vínculo, compromisso, nada. O mandato é fátuo, uma falcatrua.

Já disse aqui que sou pelo voto distrital, já seria um bom começo, mas ainda é preciso algo mais. Nós precisamos de uma reforma completa – uma nova casa –, porque a que está aí é impossível de se arrumar. Não dá para continuar a fazer “puxadinhos”, remendos e embondos. É caso de derrubar e fazer certo desde o chão. Não precisa inventar algo totalmente novo. Foi querendo ser “original” que fizemos o monstrengo que aí está. Existem boas “plantas” aí que podem ser copiadas. Eu gosto muito de usar uma como exemplo: a “casa” dos Estados Unidos da América. Territorialmente, é muito parecida com a nossa. Ambas são da mesma idade; mesmo material de fabricação (imigrantes) e são divididas em cômodos autônomos (estados [con]federados). A diferença essencial está no projeto arquitetônico. Vejamos algumas diferenças:

  1. Os EUA são uma confederação de estados independentes. O Brasil é uma federação de estados dependentes. Grosso modo, lá, cada estado cuida de si – arrecadam e aplicam seus tributos in loco –, recorrem à União naquilo que lhes falta. Aqui, tributos são enviados para a União e aquilo que lhes falta (ou seja, quase tudo) precisa ser “garimpado” pelos nossos representantes (deputados, senadores, lobistas e até governadores), um beija-mão como nas antigas cortes monárquicas.
  2. Nos EUA o número de representantes (deputados) é fixo. São 435 cadeiras com mandato de dois anos. Cada um dos estados tem direito a um mínimo de 1 (uma) cadeira. Como são 50 estados (territórios e protetorados têm um representante sem direito a voto), as demais 385 cadeiras (435   50) são distribuídas proporcionalmente à população de cada estado e ajustadas conforme censo decenal. E no Brasil? Bom, aqui é o seguinte: cada estado tem o mínimo de 8 e o máximo de 70 representantes, sendo o número de cadeiras determinado pela população de cada estado. Não há limite para o total de deputados. Vamos tentar explicar as diferenças do sistema representativo de cada um.
    1. Nos EUA, a eventual criação de um novo estado não cria mais cadeiras na Câmara Baixa. As mesmas 435 deverão ser redistribuídas. No Brasil, um estado cuja população for de 8 pessoas (estou exagerando), todas as oito serão deputadas federais. A Câmara passará de 513 deputados para 521, com todos os ônus.
    2. Nos EUA, pelo último censo, 709.760 habitantes são representados por um deputado, em média. Na verdade, o maior número é de 999.243/deputado (Montana, com 1 deputado) e o menor, 526.284/deputado (Rhode Island, com 2 deputados). A razão do maior pelo menor é de 1,9. Traduzindo, um voto de Montana vale aproximadamente a metade de um de Rhode Island. Aqui já é um “pouco” diferente. Cada deputado deveria representar a 362.013 habitantes, mas estado a estado, razão e proporção chegam a ser ridículos. O estado mais populoso, São Paulo, tem 70 representantes (o máximo), o que dá 570.344/deputado. O menor, Roraima, tem 8 deputados (o mínimo), cada um representando 53.175 habitantes. A razão do maior pelo menor é de 10,73. Traduzindo, os cidadãos de São Paulo têm, proporcionalmente, menos representantes na casa legislativa que os de Roraima (70 ÷ 10,73  6). Surpreso?! Não conheço prova mais cabal da nossa democracia não-representativa. Se quiser saber mais, dê uma olhada aqui.
  3. Eu ia entrar fundo no Senado, mas o texto já está longo demais. Vou resumir assim: nos EUA são apenas 2 (dois) senadores por unidade da federação e não existe aberração da suplência, nem senador para o DC. Total: 100 senadores com mandato de 6 (seis) anos. Aqui é um pouco “melhor”: são três por estado (mantiveram a aberração do biônico da ditadura) e mais três para o DF, outra aberração. Total: 81 senadores com mandato de 8 (oito) anos.
Uma mudança tão radical passa por ampla consulta à população. Mais até. Passa pela melhoria desta mesma população, o que envolve educação, informação, debate. Precisamos crescer como NAÇÃO, como país já somos grandes. É preciso dar um basta a esta tutela do estado – não somos mais crianças. Cuidamos tão bem de nós próprios, como não seremos capazes de cuidar do nosso País, da nossa Casa? É hora de começar a conscientizar o povo que não está tudo tão bem assim. É preciso dizer-lhes que uma mentira repetida muitas vezes não se torna verdade, e de que aquele cara – aquele que se acha “o cara” – só quis mesmo “se arrumar”, e diga-se, fez um excelente trabalho – arrumou-se muito bem.

Agora é a nossa vez !!

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